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O Mecanismo - Uma Obra Livremente Inspirada em Fatos

Atualizado: 28 de fev. de 2020

Aos poucos, finalmente pude terminar de conferir "O Mecanismo", a mais recente obra do popular diretor José Padilha (Tropa de elite, Narcos). Pegando carona em um momento mais morno de discussões políticas e cisões populares, o cineasta carioca mais uma vez dá as caras no cenário de repercussões artísticas, ao expor sua visão sobre a corrupção brasileira. Tendo no currículo os dois Tropa de Elite, onde abordou o lado sujo da polícia carioca, expandindo na sequência para um viés mais abrangente e nacional, Padilha retoma o tema de corrupção nessa sequência ideológica dos longas. Saindo diretamente de Narcos, série que aborda os cartéis de drogas latino-americanos, o diretor se mostra a vontade no tema de crime organizado como nunca antes. Utilizando desde o início da carreira marcas registradas, como a narração em off do protagonista, ação frenética, e diálogos mais informais, Padilha expõe um misto de rápida identificação com cansaço numa fórmula repetida. No entanto, é inegável ressaltar o nível elevado de qualidade em sua fotografia, fluidez da trama, e principalmente em liberar grandes atuações em seu set. Com personagens emblemáticos em seu histórico, como Capitão Nascimento e Pablo Escobar (ambos inspirados em personagens reais, e interpretados por Wagner Moura), o diretor apresenta em "O Mecanismo" uma rasa construção de protagonistas esquecíveis, mas compensada com uma marcante elaboração de "vilão". A trama segue o Xerife Rufo (Selton Melo) junto à Delegada Verena (Caroline Abras) em uma constante perseguição contra doleros e empreiteiros, na nacionalmente famosa Operação Lava-Jato. Lançado próximo ao longa de Marcelo Antunez (que atualmente coleciona 18 processos jurídicos por conta da retratação de suas figuras públicas), a série original do sistema de streaming Netflix, trouxe uma enorme repercussão nas redes sociais em seu lançamento.

É de uma delicadeza tamanha ter de tratar sobre política no cenário atual brasileiro. Uma grande Guerra Fria Popular vem sendo alimentada desde 2013 por dois grupos separados, que sempre acusam o outro de ser completamente absurdo e errado. Na série, a retratação dos ex-presidentes do Partido dos Trabalhadores (Lula e Dilma) em muito incomodaram àqueles que partilham a ideologia chamada de "esquerda brasileira". No entanto, quem pôde dedicar seu tempo para conferir a supracitada série, pôde ver tanto o ínfimo tempo de tela e importância que essas caracterizações tomam na produção, quanto ataques diretos ao "outro lado" (como sátiras ao Senador Aécio Neves e ao presidente Michel Temer. Comentários sobre o "panelaço" e afins). A intenção do diretor em generalizar a corrupção brasileira, como um objeto comum à todos com poder, vem em contraponto com uma parcela deste público que sentiu-se afetada. Nos episódios 6 e 7, a título de exemplificação, é discutido a origem da corrupção no país com o caso da "quinta da boa vista" em 1808, assim como um sistema pequeno, porém corrupto, envolvendo um encanador e seu empregador. Constantemente é batida a tecla de corrupção inerente, sem tomar um lado exclusivo.

Inclusive, é interessante frisar o tanto que a série desenvolve críticas e acusações à direita brasileira. A caracterização de Aécio como um babaca prepotente, Moro como um coxinha certinho que transa de meia, e e principalmente o planejamento do impeachment por conta do senador de Minas Gerais e do atual presidente. Em suma, Dilma não é mostrada como mais do que uma "vítima" que estava no lugar errado, na hora errada.

No mais, é admirável como uma obra, onde o foco é o embate entre a Polícia Federal junto ao Ministério Público, contra o dolero Alberto Youssef e o diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, se tornou uma "demonização da esquerda brasileira". A corrupção é intrínseca ao poder público brasileiro já faz bastante tempo. Ao retratar uma operação, que aconteceu quando a esquerda estava no poder, é inevitável que na tal obra, esta seja a mais afetada. Tal sensibilidade está cada vez mais exagerada, ainda mais num país onde sempre foi aceito sátiras depreciativas de ambos os lados. Não é era minha intenção ter me alongado tanto, mas para finalizar, seguem algumas pontuações:

  • Aplicar certos diálogos para outro personagem, é um recurso narrativo de efeito dramático extremamente comum e aceito em adaptações literárias ou mesmo históricas. Não vejo porque aqui seria diferente, nem alterando tanto o contexto abordado.

  • Apesar de uma grande ação de marketing em seu lançamento, a série mostra-se desde o início bastante autoral, trazendo um ponto de vista de uma história que vem sendo contada por vários os lados. Boicotar tal expressão, principalmente quando o argumento é embasado em um desgosto de como foi retratado os personagens com mais poder, e querer tirar a série do ar por isso... Me parece curioso e até irônico, vindo de uma parcela que sempre repudiou tanto a "censura".

  • A produção vem sofrendo sérias acusações de "propagar Fake News". Este também é um assunto bastante complexo, visto que a própria operação teve acusações e sentenças que não foram concordadas por todos os lados. Seria praticamente impossível retratar este fato (que merece ser retratado, devida sua importância e a falta de interesse da massa em entendê-lo), sem escolher uma versão do que pode ter acontecido. Voltamos ao caso de artificios para efeito dramático.

  • Utilizando a declaração do próprio Padilha como base, ratifico que, acusando ou não as pessoas certas, esta não é a intenção primária da série. Ela se baseia em mostrar o puro e simples mecanismo de corrupção empregado a TODOS no poder. Mostrar como essa ação é tão prática e comum ao brasileiro, se espalhando como um câncer. Foi assim que a produção me atingiu, e me entristesse ver que na maioria não surtiu este efeito de pura acusação contra o ato, e não contra os autores.

Portanto, não venho como um grande defensor chamando a série de perfeita. Ela é repleta de erros e algumas coisas técnicas que me incomodaram (como a narração em off e desenvolvimento de alguns personagens). Mas segue como uma obra importante, que reacendeu discussões relevantes, entrerte, e ainda mantém o padrão da Netflix em sua parte técnica.

"O Mecanismo" encontra-se completa na Netflix em 8 episódios de 45min em média. A produção não apenas merece ser vista, como merece ser discutida. Seja a favor, ou contra. Isso, acima de qualquer coisa, é arte.

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