La casa de los casos improbables - Parte 1
- Pipoca de Pedra
- 3 de mai. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de fev. de 2020
Em 2017 tivemos vários altos e baixos no querido sistema de streaming da Netflix. A grata surpresa de uma nova temporada (excelente) de Twin Peaks se opôs com a grande decepção de Os defensores. Se de um lado tínhamos a estranha confirmação de uma segunda temporada de 13 reasons why, do outro havia a revolta com o cancelamento de Sense8. Mas foi de uma rede de televisão espanhola, chamada Anthena 3, que viria o mais novo fenômeno mundial: La casa de papel.
Adquirida pela Netflix, que a dividiu em duas partes, a criação de Álex Pina traz um conceito próximo ao de “Onze homens e um segredo” numa aura de novela mexicana. Um grupo de ex-criminosos juntam-se à um misterioso contratante para realizar o maior roubo da história da Espanha, e fabricar seu próprio dinheiro na casa da moeda.
O roteiro de Pina já começa a decepcionar quando o mesmo passa a dar nomes de cidades famosas a seus personagens, mas perde a chance de aproveitar o artifício para dar trejeitos de suas referências a seus respectivos. Como seria bom vermos Berlim como um estereótipo puritano que beira o preconceito, Rio como um malandro tropical, Tóquio como um gênio da tecnologia e assim por diante.
No entanto, seria bastante agradável ainda se os problemas da minissérie se resumissem às oportunidades mal aproveitadas. A falta de continuísmo se mostra incomoda logo no primeiro episódio, onde, após levar um tiro no ombro, Rio segue nos próximos minutos estando completamente ileso e curado.
Outra questão negativa, surge com um desenvolvimento extremamente superficial de inúmeros personagens, mesmo tendo 10h de tela para tal. O espaço dado para iniciar tramas de pontas soltas ligada a vida dos reféns, ou flashbacks que não acrescentam o andamento da trama, atrapalha a motivação daqueles cujo espectador deveria ter empatia.
A título de exemplificação, o personagem denominado Berlim tem uma das construções de antagonistas mais vergonhosas da história das séries. Após não conseguir desenvolvê-lo como um bom vilão em meio àquela grande colônia de autoajuda que chamam de sequestro, o personagem sofre ainda mais quando um policial (Angél) literalmente cita seu laudo psicológico, explicando para o público desavisado que ele é um psicopata antipático e egoísta. Isto mostra uma enorme inexperiência de roteiro falho para desenvolver tal persona.
Além de personagens rasos, o comprimento esticado da série cria uma extensa gama de tramas sem consequência alguma. Ostentando um clima novelesco, os momentos de tensão da série sempre mostram uma resolução breve e fácil, fazendo com que tudo volte ao ponto inicial. Portas são abertas, armas são apontadas, segredos são revelados, mas nada nunca chega ao ponto que deveria. Entre os episódios 2 e 13 temos os mesmos personagens, praticamente no mesmo lugar onde estavam, com a mesma cabeça, e sem horizonte para uma virada de trama ou uma ação inesperada.
Isso se agrava ainda mais com a grande redoma de imortalidade que cerca a todos. Mesmo após: Princípio de infarto (em um senhor velho e claustrofóbico preso há dias), tiros ( alguns deferidos no peito por atiradores de elite da polícia), barras de ferro na cabeça, mandados de execução, capotamentos consecutivos de veículo e demais atentados à vida humana, todos saem vivos, e alguns completamente ilesos. Isso faz com que os personagens sigam com menores motivações, e o expectador sem temer por aqueles a quem assiste.
Mesmo os que não são vencidos pelo cansaço, talvez estranhem cenas ilógicas como uma mãe sugerindo para a filha que busque sair com um estranho, após ela estar lhe contando que mandou matar um refém acidentalmente. Ou quem sabe, uma bizarra festa da tequila, segundos depois de Nairóbi contar que não pôde ver seu filho nos últimos 4 anos. (Inclusive, qual a função de Nairóbi, uma especialista em dinheiro falsificado, em uma autêntica casa da moeda, que possui seus funcionários originais?).
Mas vamos tentar abdicar algumas coisas. Como pôr em suspensão de descrença o fato de que produzir sem registro ou controle cerca de 2,4Bi de Euros causaria uma inflação absurda na Espanha, a ponto de superfaturar os produtos e desvalorizar a moeda em níveis sem precedentes. Ou também o fato de que os sequestradores gastam grande parte de seu tempo ajudando os reféns a lutarem contra bulliyng, desistir de abortos, e serem pessoas mais fortes e confiantes (dando energia para aqueles que podem se voltar contra eles). Isso tudo realmente é o de menos.
O que realmente se mostra como um obstáculo para que a série alcance o Olimpo da qualidade, é a absurda quantidade de acasos, coincidências, e situações Deus Ex Machina apresentadas na série. A polícia desconhecer o número de assaltantes, mas mandar um microfone com o nome Rayo, tendo certeza que ele chegaria na mão de Rio, não só é uma enorme forçada de roteiro, como mais um exemplo de trama que não levou a nada.
Mas é impossível falar de acasos improváveis sem citar o grande queridinho do público: El Professor.
Se tem uma coisa que me fez adiantar a série na minha lista, foi a constante insistência de que eu deveria ver a série pois: “O professor é inteligente demais”. No entanto, agora percebo o quanto fui enganado.
Com um ar de Professor Xavier dos x-men, cuja renda para viver sem emprego e ainda sustentar por 5 meses uma prole em sua mansão, comprar armas, mantimentos e afins, não é abordada, o professor coroa a lista das minhas indignações com a obra. Somente após ele ter revelado que 5 anos atrás cavou um túnel de 26m abaixo da casa da moeda espanhola (repita isto em sua cabeça e me diga se não é um exagero), é que vim a perceber o quão ilógico era o personagem.
Estando sempre ofegante e desesperado, o arco do professor fora da fábrica se resume basicamente em limpar a bagunça que ele mesmo apronta. Alguns pontos incômodos nesta jornada. Em primeiro caso, o mesmo deixa ser visto por um russo do ferro velho que lembra seu rosto e é interrogado pela polícia. Sua decisão é então buscar um canal de segurança para afrontá-lo. E isso se resolve magicamente quando uma viatura para em sua frente, com dois policiais descendo para lanchar.
Em outra situação, o Professor descobre que Helsinque não apagou as digitais do carro que eles usavam. Decide então ele mesmo Limpar, pero no mucho. Só que coincidentemente, as únicas pessoas que sabiam, uma capota sozinho o carro e entra em coma, e a outra, além de ter Alzheimer, liga para você avisando.
Enfim, sem querer me alongar ainda mais, é difícil enxergar essa “inteligência” junto à um amigo do destino, que constantemente acaba dando pistas sobre: as digitais, local do esconderijo, perfil dos assaltantes, e tanto como. Essa esperteza se camufla principalmente, quando o professor chega ao carro com o DNA de Rio e Tóquio (até então os únicos assaltantes com rostos nos jornais), e decide implementar digitais de Berlim, dando a polícia a identidade de mais um dos integrantes. Em suma, escolher um grupo inteiro com passagem na polícia (respectivamente, com digitais catalogadas) já é um equivoco tremendo.
Mas seguindo com a série onde uma criminosa de 35 anos, discute com uma adolescente de 17 sobre quem deve ficar com o namoradinho, vamos às pontuações finais.
A série insiste em um grande discurso machista, onde uma inspetora não consegue conduzir direito a operação (segundo seus superiores) devido seus hormônios, e constantemente comprova isso quando não tem tempo para dormir ou tomar banho, mas desenvolve um relacionamento novo com jantares e visitas. A constante repressão e medo ao marido é um caso que, acredito, será melhor abordado na segunda parte.
O sucesso da operação dependia em grande parte à presença de Alisson Parker, filha do embaixador da Inglaterra. Mas… O professor sabia que ela estaria ali numa visita de escola com 5 meses de antecedência? Então isso significa que se o passeio fosse cancelado, adiado, ou mesmo se ela não fosse, acabou o roubo? Olá acaso, como vai você?
A série é sem dúvida uma (triste) homenagem ao clássico Cães de aluguel, de Quentin Tarantino (citado na série). No filme, um grupo de criminosos, cujos nomes são escondidos, é reunido para um assalto, por um mentor misterioso, onde tudo acaba fugindo do controle. A trama se passa inteiramente em único cenário, com exceção dos flashbacks que mostram os antecedentes do roubo. Soa familiar? Talvez.
A narração feita por Tóquio, ao grande estilo “Scorsesiano” vem se mostrando um grande problema nas séries mais atuais. Criticada já em “Narcos”, e na recente “O mecanismo”, o artifício deve ser usado com classe e parcimônia. Acima de tudo, não há sentido quando a personagem narra uma cena em que ela não esteve presente, relatando sentimentos e pensamentos de personagens que não tiveram contato com ela.
Por fim, o final da primeira parte de La casa de papel traz um triste sentimento de falta. Falta de consequências, de andamento de trama, de virada de jogo, e principalmente, de vontade para seguir adiante.
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