Especial Quentin Tarantino Parte 5 - Era uma vez o penúltimo filme
- Pipoca de Pedra
- 22 de ago. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de fev. de 2020
O penúltimo filme de Quentin Tarantino. Ao mesmo tempo que este título dado à Era uma vez em... Hollywood pode acabar traspassando uma certa angústia sobre a suposta aposentadoria do diretor, não há como esconder a empolgação de tê-lo de volta às telonas.
Desde os escândalos envolvendo Harvey Weinstein, Tarantino teve de procurar uma nova casa para suas produções megalomaníacas e, assim como o Homem-Aranha, foi acolhido pela Sony Pictures desde o ano passado. Esta quebra poderia assustar alguns fãs de que este diretor tão autoral viesse a perder parte de sua assinatura, mas fomos agraciados com uma enorme extrapolação do seu próprio gênero de forma positiva.

O filme ambienta-se no ano de 1969. Mas ao contrário de grandes produções, os olhares não estão no grande festival de Woodstock ou no pouso do homem na lua, mas sim, na grande invasão hippie que permanecia em Los Angeles desde o retorno dos Beatles do Oriente e das manifestações contra a guerra do Vietnã. No meio disto, crescia a sombra do carismático Charles Manson (Damon Harriman, que mostrou todo seu potencial em encarnar o serial killer na segunda temporada de Mindhunter, na Netflix) e sua "família", enquanto o cinema marcava a morte do faroeste americano.

Leonardo DiCaprio (Rick Dalton) e Brad Pitt (Cliff Booth) brincam com todos os anos em que foram comparados por terem sido rostinhos bonitos loirinhos, mas que alçaram um merecido destaque na indústria, ao representar um ator veterano e seu dublê. Do outro lado, Margot Robbie (Sharon Tate) e Rafał Zawierucha (Roman Polanski) encarnam o grande casal da década, entre a atriz queridinha da américa, e o visionário diretor de O Bebê de Rosemary. Assim, um simples acaso de vizinhança irá juntar esta enorme homenagem ao cinema seiscentista com um dos casos de maior crueldade da história norte-americana de forma divertida, orgânica, e de certa forma até assustadora.
É evidente, que em meio à está carta de amor que só o Tarantino atualmente faz tão bem ao cinema (inspirado em grandes obras de Trufaut, Fellini e dos Irmãos Coen sobre a Hollywood por trás das câmeras), não poderia faltar constantes referências para deixar um riso bobo na cara dos cinéfilos de plantão. Um Bruce Lee arrogante, uma enxurrada de pilotos toscos para a TV e o apogeu do western spaghetti italiano, auxiliam uma ambientação impecável de cenário e figurino para nos transportar 50 anos no tempo em uma Los Angeles que respirava arte.
No entanto, após 8 filmes, não é de se surpreender que o próprio Tarantino acabasse virando uma auto-referência em seus próprios filmes. Desde nos mostrar um casal de dublês interpretados por Kurt Russel (que interpretou o dublê Mike em Death Proof) e Zoe Bell (dublê de Uma Thurman em Pulp Fiction e Kill Bill), até mostrar nazistas pegando fogo (como em bastardos inglórios), Tarantino demonstra um carinho quase paterno por seus filmes anteriores, e o universo que criou após 27 anos de carreira.

As outras marcas registradas de Tarantino podem até parecer chover no molhado ao citar, mas seu entendimento conseguiu atingir uma notável evolução. A fixação do diretor por pés, passou de um simples fetiche transcrito para as telas, para um elemento de roteiro que auxilia a montar um estereótipo de época, seja na personalidade mais “livre” dos hippies, ou na quebra de símbolo sexual de Sharon Tate. O cigarro Red Apple, a câmera dentro do porta-malas e o monólogo em frente ao espelho, também marcam presença de forma mais marcante e orgânica, auxiliando na que talvez seja a mais solta e bem desenvolvida atuação de DiCaprio, e a grande celebração do universo tarantinesco.
O principal ás de Tarantino continua como roteirista, capaz de transcrever diálogos naturais e memoráveis em tramas simples, e chegando ao ponto de conseguir fazer uma meta linguagem dentro de uma metalinguagem. Tarantino deixa um pouco de lado seus diálogos sobre cultura pop para apostar na atuação acima do texto, aproveitando-se de um dos seus casts mais recheados, onde monta um altar para a figura do autor numa época mais simples. Conseguindo extrair o máximo daqueles que já eram consagrados, o nono filme do diretor se aproxima da sua adaptação aos cinemas em Jackie Brown, ao discutir envelhecimento, amadurecimento e rumos tomados de forma tardia na vida de grandes celebridades.

Tarantino traça um comparativo entre a desgastada carreira do personagem de Rick Dalton, contra à ascendência de Sharon Tate como uma atriz de potencial enorme, abordando uma constante preocupação do diretor, em toda sua carreira, na valorização dos grandes nomes da indústria que se perderam ao decorrer dos anos.
Fechando com uma quebra de realidade histórica a lá Bastardos Inglórios, que depende de certo conhecimento prévio para aproveitar na íntegra sua brincadeira, a terceira visita de Tarantino aos Western, mesmo que de forma mais disfarçada e tímida, diverte ao explorar novos gêneros do diretor, como o suspense, e mesclar narração, flashback e planos sequência numa obra que resume um século de cinema hollywoodiano. Era uma vez em... Hollywood, talvez esteja longe ainda de ser sua nova obra prima, mas sem dúvida é um capítulo digno de sua carreira, até então, impecável, e um chamariz de empolgação e ansiedade para sua próxima produção.
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